2008-03-06

Momentos de Lucidez

A vida é um carrossel louco empurrado por duas forças opostas , o prazer e a dor . Se nos momentos cruciais da existencia , o nascimento e a morte , a dor é madrinha , na vida o prazer é rainha , orienta cada um dos nossos actos , comanda , decide , ordena .
Felizmente só temos que lidar com um desses momentos , o nascimento passa-nos ao lado , uma opção louvável do criador se atendermos á estação onde chegamos á vida ,aos fluidos com que vimos vestidos , a inconveniencia dum cordão a cair da barriga , ás forças G a que somos sujeitos pela mama e pelos médicos e ao triste trauma de a primeira coisa que a vida nos oferece antes mesmo de começarmos a respirar seja levar no cu , uma palmada , claro .
Se é dificil lidarmos com a nossa propria morte não parece ser mais fácil lidar com a daquelesque amamos , provavelmente á parte alguns bafejados por Deus já todos tivemos de enfrentar esta situação extremamente desconfortavel de vermos morto alguem que amamos muito .
A morte dos outros , a nossa é um espectaculo ao qual não assistiremos , sobretudo de alguém que amamos , transporta-nos para um estado espiritual de desintegração onde inevitavelmente revemos a matematica da vida e questionamos os valores que geralmente tomamos por factores de decisão , num flash tudo o que nos parecia simples senso comum torna-se questionavél senão patético ...
É um momento lucido e doloroso , confrontados com evidencias que tanto nos esforçamos por esquecer , provavelmente fomos pouco respeitadores da vida ,ignoramos deliberadamente o coração , perdemo-nos de amor pela matéria , assobiamos pro lado aos inconvenientes arreliadores , adiamos consecutivamente o importante até ao futuro e num momento não temos mais a certeza que o futuro exista , concluimos que a morte é a unica certeza evidente e que perdemos enfim completamente a noção da própria vida , é geralmente a conclusão triste que não conseguimos evitar .
Ser confrontado com a morte é uma situação de stress extremo com a qual temos dificuldade em lidar , aceitamos a morte com dor , como um infeliz cataclismo que tem apenas a vantagem de por um fim a todos os problemas , sendo que para a maioria das pessoas existe a convição de que a morte é uma porta para um mundo melhor , porque se reage tão desesperadamente a este fenomeno ? Até que ponto é então esta crença numa vida depois da morte uma certeza assim tão inabalavel ? Porque se questiona uma convição que deveria alicerçar todas as estruturas morais sobre as quais se constroi a propria existencia , defenir comportamentos e ser o aferidor de cada um dos nossos actos ? É o absurdo da morte ou a incerteza da finalidade da vida que nos provoca esta dor e desconforto ? Qual a influencia na dor da consciencia momentanea da nossa infinita insignificancia ?
Se fossemos coerentes com as nossas convições a morte deveria ser motivo de festa , deveria ser um dos momentos de maior alegria na vida do ser humano cuja alma imortal se liberta dos transtornos duma vida terrena de sofrimento e volta ao mundo espiritual isento de dor do qual realmente faz parte .
Como pode então ser entendida e situada a dor sempre latente neste processo ?
Objectivamente a dor na morte de alguém enquanto sensação de perda é um acto de auto-comiseração egoista longe da realidade do falecido que já não necessita nem do nossa dor nem da nossa piedade , choramos então a nossa perda ou a sua morte ? Choraremos por medo do inevitavel ou perante a morte de alguem choramos a nossa própria morte e o absurdo duma existencia cuja finalidade nos escapa ?
Lamentavelmente ou não , é um estado de espirito volatil , pouco duradoiro , depressa enterramos essas duvidas bem fundo no inconsciente e aí as guardamos até que alguém volte a morrer ...





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